Como conciliar agricultura e a preservação do meio ambiente?
Essencial para o agronegócio, a preservação do meio ambiente tem se tornado algo cada vez mais cobrada pela sociedade global
Ao longo dos anos, o agronegócio brasileiro tem dado várias demonstrações de que é possível conciliar a produção agrícola com a preservação do meio ambiente.
Alguns exemplos são o Plano ABC+ (de incentivo à agricultura de baixo carbono), o sistema ILPF (de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) e o Sistema de Plantio Direto.
De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), desde a década de 1970 a produção de alimentos cresceu 456% no Brasil, enquanto a área plantada 55%.
Por outro lado, chama a atenção do mundo – e não poderia ser diferente – o avanço da perda de vegetação dos biomas brasileiros, sobretudo da Amazônia, nos últimos anos.
Somente em 2021 foram mais de 1,5 milhão de hectares de vegetação tropical perdida para as queimadas e o desmatamento, conforme o Global Forest Watch.
Além disso, os impactos das mudanças climáticas, por conta do aquecimento global, têm trazido preocupações, por conta das catástrofes ambientais e prejuízos diversos à economia.
Sendo o Brasil uma potência agrícola global e rico em biodiversidade, é de grande importância que o País concilie a produção de alimentos com a preservação ambiental, tarefa que não é difícil, mas requer esforços de entes públicos e privados.
Para entender mais sobre esse tema, continue a leitura!
De onde vem as exigências por um agro mais sustentável?
Desde 1988 que os cientistas alertam o mundo sobre as mudanças climáticas, devido ao aquecimento global, provocado pelo aumento da emissão de GEEs – os gases de efeito estufa, como gás carbônico (CO2), gás metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) – na atmosfera.
Assim, de acordo com as Nações Unidas, a temperatura global deve aumentar em 2,7ºC até o final do século.
“Isso está bem acima dos objetivos do Acordo de Paris e levaria a mudanças catastróficas no clima da Terra”, diz um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas).
De acordo com o documento, para manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC – meta do Acordo de Paris –, é preciso reduzir à metade as emissões de GEEs nos próximos 8 anos.
As atividades humanas, sobretudo ligadas aos setores de combustíveis fósseis, resíduos e agropecuária, têm provocado o aumento das emissões.
Por isso, diz a ONU, é preciso fechar a lacuna de emissões e reduzir o aquecimento global a curto prazo.
A agropecuária brasileira, mesmo com exemplos conservacionistas, lança na atmosfera 27% dos 2,16 bilhões de toneladas de CO2 emitidas pelo Brasil, conforme relatório de 2020.
Nesse contexto, é cada vez maior a cobrança mundial para que a agropecuária brasileira concilie a produção com a preservação do meio ambiente.
Manter as florestas em pé, regenerar áreas degradadas e desenvolver práticas que economizam água e tornem a agricultura mais resiliente frente às mudanças climáticas estão entre as ações para uma agropecuária mais sustentável.
Também estão entre as ações a regulamentação no Brasil de um mercado de carbono, essencial para entes públicos e privados, que podem gerar renda com a preservação ambiental.
Fatores que influenciam nas cadeias agroalimentares e na preservação do meio ambiente
Num mundo cada vez mais digital, há uma tendência de que as pessoas tenham mais acesso à informação e sejam mais conscientes sobre o que consomem e o impacto disso na preservação do meio ambiente.
É o que tem acontecido, por exemplo, com os alimentos, sobre os quais os consumidores querem saber a origem, como são feitos e do que são compostos.
Muitos consumidores buscam alimentos que, em sua origem não estejam atrelados, sobretudo, ao desmatamento ou aos maus-tratos aos animais.
Inclusive, um estudo recente do IBV (Institute for Business Value), vinculado à IBM, apontou que 84% dos consumidores consideram a sustentabilidade ambiental como “moderadamente importante”.
Além disso, novos produtos tem ganhado espaço no orçamento dos consumidores.
A Allied Market Research estima que o mercado global de alimentos veganos movimentou US$ 19,7 bilhões em 2020 e deve atingir US$ 36,3 bilhões até 2030.
No Brasil, o mercado vegano aumentou 300% entre 2016 e 2021. Já o de orgânicos movimentou R$ 6,3 bilhões em 2021, com crescimento de 30% em relação a 2020.
Além disso, outras preocupações dos consumidores estão relacionadas, por exemplo:
- aos direitos humanos;
- trabalho infantil;
- trabalho análogo à escravidão;
- exploração dos recursos naturais (água e solo);
- e emissão dos GEEs.
Mudança de postura na produção de alimentos e o impacto disso na preservação do meio ambiente
As preocupações dos consumidores têm provocado mudanças nas cadeias agroalimentares, as quais, nos últimos anos procuraram investir em digitalização das operações, com inovação, transparência e rastreabilidade.
As pressões do mercado internacional têm recaído mais sobre a compra de carne, soja, café, madeira, cacau e óleo de palma e derivados, com grandes possibilidades de restrição de compra por conta de problemas relacionados à preservação do meio ambiente.
A origem da carne bovina tem sofrido as maiores pressões, sobretudo por conta da complexa cadeia de cria e recria para engorda e terminação, fase final para o abate.
Por conta disso, as operações de compra de animais e grãos têm sido aprimoradas, com o uso de recursos tecnológicos que permitem monitorar os fornecedores, por meio de cruzamentos de dados dos mesmos com os registros oficiais do Governo Federal.
No Brasil, a prática da rastreabilidade nos alimentos ocorre por força da Lei nº 51/2018 e da INC (Instrução Normativa Conjunta) nº 2/2018, ambas do Governo Federal.
A Lei nº 51/2018 institui o Sisbov (Sistema Brasileiro de Identificação de Bovinos e Búfalos) é voltada para a rastreabilidade na cadeia produtiva das carnes de bovinos e búfalos, e a INC nº 2/2018 monitora resíduos de defensivos em vegetais frescos nacionais e importados.
A preocupação com as emissões de carbono e a sua relação com a preservação do meio ambiente
O aumento das emissões de carbono também tem gerado preocupação na comunidade científica e às Nações Unidas.
O mais recente relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) da ONU é muito enfático em afirmar que o documento “é uma longa enumeração de promessas climáticas não cumpridas”.
O relatório destaca ainda que “as desigualdades estão em níveis sem precedentes” e que “a recuperação da pandemia de Covid-19 é escandalosamente desigual”.
“A inflação está aumentando e a guerra na Ucrânia está a fazendo com que os preços dos alimentos e da energia disparem”, diz António Guterres, secretário-geral da ONU. “Mas o aumento da produção de combustíveis fósseis só piorará as coisas”.
Uma das soluções a curto prazo seria a mudança para as energias renováveis ou limpas, como de usinas hidrelétricas, eólicas ou solares.
Esses problemas têm preocupado também o mercado financeiro, já que as mudanças climáticas provocam perdas da infraestrutura para o desenvolvimento econômico.
As empresas corretoras de seguros estão entre as mais atentas às mudanças climáticas e seus efeitos, sobretudo na agricultura, por conta das perdas das safras e o consequente pagamento dos valores segurados aos agricultores.
Na comercialização, os preços das commodities agrícolas se tornaram ainda mais voláteis do que já são por diversos outros fatores, como aumento do custo de produção e questões geopolíticas.
Uma delas, mais recente, é a guerra na Ucrânia, que tem gerado incertezas à produção agrícola brasileira por conta das ameaças ao fornecimento de fertilizantes por parte da Rússia, um dos principais fornecedores mundiais de cloreto de potássio.
A preocupação com as práticas ESG e a preservação do meio ambiente
Conciliar a agropecuária com a preservação do meio ambiente é a principal forma de o agronegócio praticar o conceito de ESG, que envolve ações de cunho ambiental, social e de governança.
Empresas de diversos setores também buscam o ESG, sobretudo as ligadas diretamente com a emissão de GEEs. Assim, a expectativa é de que até 2025, o Brasil deva reduzir em 37% as emissões de GEEs, conforme o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e aumentar a participação no mercado internacional de créditos de carbono.
Com isso, espera-se que, a economia de baixo carbono e a preservação do meio ambiente, a partir dos investimentos verdes, cheguem aos R$ 17 bilhões no país.
Recentemente, o Banco Central do Brasil, preocupado com o ESG no mercado financeiro, lançou o primeiro RIS (Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas).
O relatório apresenta de forma integrada as ações do Banco Central relacionadas à gestão de riscos e oportunidades sociais, ambientais e climáticas.
Esses riscos e oportunidades estão associados aos fatores ESG, incluindo os riscos e as oportunidades das mudanças climáticas, que podem impactar o próprio BC e o SFN (Sistema Financeiro Nacional).
Já existe um certo consenso no SFN sobre a necessidade de financiar a transição para uma economia de baixo carbono e a consciência de que essas ações são compatíveis com os retornos financeiros e podem representar oportunidades.
Para o agronegócio, da parte do Banco Central, a ideia é ter um Plano Safra cada vez mais voltado para financiar a agricultura que colabora para preservação do meio ambiente, seja com a preservação de florestas ou geração de energia própria (biogás ou energia solar, por exemplo).
As oportunidades de mercado para quem pratica a preservação do meio ambiente
O Brasil é um dos países com mais potencialidades de geração de créditos de carbono no mundo, tanto que estima-se que os créditos sejam a próxima commodity do agronegócio.
De acordo com um relatório da SVN Investimentos/XP, a estimativa é de que a venda de créditos de carbono possa gerar uma receita líquida de até US$ 72 bilhões até 2030.
Neste sentido, manter a floresta em pé, investir em reflorestamento, praticar uma agropecuária mais sustentável – e que auxilie no sequestro de carbono da atmosfera, seja mais eficiente no uso de recursos hídricos, recupere e mantenha a saúde do solo, estimule a cadeia de bioprodutos e incentive práticas regenerativas – são as principais apostas para conciliar o agro brasileiro com a preservação do meio ambiente.
Além da Amazônia, que chama mais a atenção do mundo, há ainda outros biomas para geração de créditos de carbono: Pantanal, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica, onde são desenvolvidos projetos para venda dos créditos às empresas.
Pesquisas mostram que os manguezais brasileiro também são grandes fontes de armazenamento de carbono. A estimativa é que haja 8,5% dos estoques globais de carbono somente na costa do Brasil, nas áreas de manguezais.
Esse potencial pode gerar até 2030 um comércio anual de crédito de carbono de US$ 167 bilhões e de US$ 347 bilhões até 2050.
Uma boa oportunidade no agronegócio, e que envolve também o sequestro de carbono, é o PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), instituído recentemente pelo Governo Federal.
Os serviços incluem, além do sequestro de carbono:
- a conservação da vegetação nativa;
- a restauração de áreas degradadas;
- a melhoria da qualidade da água;
- e a manutenção da biodiversidade.
Além disso, o governo brasileiro busca incentivar os agricultores a praticar a preservação ambiental por meio do Plano ABC+, com possibilidade de redução das emissões de carbono em 1,1 bilhão de toneladas até 2030.
O Plano ABC pode ser acessado pelos agricultores por meio do Programa ABC, a linha de crédito do plano, voltado para pequenos, médios e grandes produtores.
Conclusão
O agronegócio brasileiro e mundial possui grandes desafios pela frente, por conta das mudanças climáticas, conforme aponta o IPCC da ONU, que somente reforça o que já vem sendo dito desde a Conferência de Toronto (Canadá), em 1988.
Talvez nunca tenha sido tão necessário como agora aliar a produção agrícola com a preservação do meio ambiente.
Isso porque, a agricultura tem um grande potencial de trazer soluções para os desafios climáticos. Além disso, é possível relacionar as atividades agrícolas e pecuárias aos principais indicadores observados nas três letras que compõe a sigla ESG: ambiental, social e governança corporativa.
Assim, é preciso que as agroindústrias e demais empresas envolvidas no agronegócio se movimentem para a construção de cadeias agroalimentares e cadeias de valor cada vez mais sustentáveis, transparentes e resilientes ao clima.
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